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Casa na praia com uma rede calculadamente posta na varanda de frente
para o mar. Uma taça de tinto suave enquanto vê os filhos correndo pelo
corredor da cozinha e o cachorro brincando no quintal. Na garagem, a cabine
dupla esperando pra cair na estrada com a família e tudo mais que foi
conquistado, gota por gota de suor laboral. Um bom sonho de longo prazo. Pelo
menos pra mim, que não tenho nem a escritura do meu quarto, paladar para
destilados, mal mal um popular na garagem e a menor pretensão urgente de gerar
prole. Enquanto os meios não são viáveis para concretizar esta imagem comum de
felicidade, eu faço o que? Luto dia a dia, dando minha saúde como moeda de
troca no meu trabalho, me privando de momentos de lazer (que serão muito
gozados em alguns anos) e vendendo meus valores para a hierarquia corporativa
do poder. Tudo isso em busca de uma conta bancária que me possibilite
conquistar um estado de espírito pleno na meia idade. Não, pensando bem, não. É
muito autossacrifício pra mim. Eu não preciso disso para garantir meu sonho de
felicidade. Na verdade, eu nem tenho o sonho de ser feliz. Felicidade não é um
objetivo de vida pra mim. É consequência do cotidiano. Na eterna tentativa de
transferir a responsabilidade das suas vidas para fatores externos, as pessoas
transformaram o sentimento em utopia. Enxergam-no como um objeto único, do qual
só são dignas as pessoas adeptas do "fazer por merecer", obedecendo a
valores morais e regras sociais. Caminham a vida inteira, numa obsessão insana
de chegar a um destino que não existe: a felicidade absoluta e inabalável. E
quando as pernas chegam à exaustão, encontram justamente o contrário:
frustração, impotência e a persistente sensação de insatisfação. Não que eu não
esteja suscetível a isso. Inclusive bato de frente com estes percalços
emocionais o tempo inteiro. Aliás, nenhum mortal consegue fugir disso. Que bom!
Porque a graça da vida é essa oscilação de estados de espírito, com altos e
baixos extremos. E não quer dizer que isto nos torna meros agentes passivos das
ações do acaso. Pelo contrário, quando aceitamos que não existe a
invulnerabilidade ao que é negativo, encontramos uma brecha para estimular
proatividade e combater com o positivo. E as armas são mais acessíveis do que
todo mundo pressupõe. Elas estão penduradas na parede do cotidiano. O lance de
ser feliz está em reconhecer o que te faz bem em cada acontecimento do dia a
dia. Os mesmos que são banalizados sob o pretexto da rotina. São eles os
responsáveis por minimizar, mesmo que ministrados em doses homeopáticas, o
estrago de uma surpresa negativa. Quando se dá abertura para relaxar com um
café no meio do dia, comemorar uma conquista pequena no trabalho ou rir de
alguma trivialidade qualquer, não há humor perdido. Tenho orgulho de dizer que,
em toda a minha vida, nunca me senti infeliz. Triste, insatisfeita,
decepcionada, com certeza. Mas infeliz, não. Ainda que a minha felicidade
esteja em uma casa de porão de um cômodo, com canções de violão no sofá, TV
ligada no futebol das quartas e domingos, e uma barra de chocolate a tiracolo.
Casas de praia, transporte tamanho família e filhos ainda são apenas adicionais
supérfluos.
Tetê Magnani
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