Citação

"Só queria que você soubesse que tudo aquilo que aprendeu comigo não vai ser fácil de encontrar nos livros e em outros corpos sem direção... E não vai achar em nenhum lugar encaixe tão complexo assim! Quando a noite passar e tudo acabar, eu estarei aqui"
Strike

quarta-feira, 22 de abril de 2015

Desculpa, mas eu não sou sua princesa



Não uso coroa, não tenho um castelo e não pretendo me casar. Os filmes da Disney, que eu assistia quando era criança, só serviram pra me fazer ter certeza que eu não queria ser aquela figura patética que vê a vida passar em cima de uma torre. Na verdade, nem se eu quisesse, eu seria. Você deveria ter sacado quando viu que não me pareço esteticamente com uma. Enquanto você me esperava todos os dias com cabelo milimetricamente moldado em gel e roupas de marca exalando a melhor fragrância Dior, eu aparecia sem unha feita, cabelo seco ao vento e sem uma base no rosto. Não tenho tempo, dinheiro e nem disposição para mudar isso. Prefiro sair na rua igual uma mendiga atropelada por um bode para ter mais uma hora de sono, especialmente no inverno. Prefiro torrar meu dinheiro comendo o suficiente para não conseguir andar pelos próximos 30 minutos, do que fritando minha cabeça literalmente em um secador e metaforicamente com fofoca de salão. Sim, comia igual a uma vassala, inclusive na frente dos seus convidados. E ostentava com louvor meus culotes conquistados com duras semanas de quebras de dieta com chocolates de todas as espécies. Mas era melhor do que quando eu cismava de cozinhar um prato para comemorar alguma data comercialmente memorável e você esboçava, em semblante contraditório, o quanto tinha gostado. Eu nunca serei a Cinderela que sua mãe espera pra você. Além de não saber cozinhar, não domino a arte de varrer, não sei a diferença entre marca de sabão em pó, e minhas roupas saem mais amarrotadas do que antes de eu me dispor a passar. Ah, e tem a sua mãe! Vocês dois entravam em consenso com frequência ao meu respeito, não é?! Poderiam até me chamar para a discussão. Eu concordaria em grande parte, especialmente com o tópico que falava da minha falta de meiguice. Hoje, ofereço até provas. O quadro rosa que você me deu para pendurar no meu quarto preto e branco não sumiu. Eu dei ele de presente de 15 anos pra uma prima distante. Ah! Lembra do Fofinho, cachorro de pelúcia que você me deu já batizado? Eu chamava ele de Ares, quando você não estava perto. E quando sua mãe vinha me mostrar fotos suas de infância? Eu me segurava para não zoar seu cabelo ridículo que ela penteava ao estilo Zacarias, e me limitava falsamente a "Que gracinha! Parece um anjinho nessa versão miniatura! Tomara que nosso filho seja assim (e cresça longe de você)". Nunca vou esquecer quando ela ouviu o meu primeiro 'Puta que pariu!', dito com a boca cheia porque a TV parou de pegar na hora da reportagem sobre o Centenário da I Guerra Mundial. Soltei mentalmente um “puta caralho” quando soube que o filho duma quenga do seu primo tinha chutado a porra do fio daquela merda de televisão. Ainda bem que ela não lia mentes. Se lesse, travaríamos uma disputa telepática sobre o politicamente correto que ela defende e que eu, simultaneamente, abomino. E não foi uma reação desproporcional. Você sabe que eu adoro guerra. Até tinha que esconder os DVDs do “Bastardos Inglórios” e “Operação Valquíria”, pra me convencer a ver P.S Eu te Amo! E não me venha com hipocrisia. Embora reclamasse que eu tratava as nossas D.R's como estratégias de combate, adorava o cessar fogo, que só fazia explodir o que tinha sobrado de nossa integridade física. No dia seguinte, ainda quando você estava dormindo, eu levantava pé ante pé, para fazer o que encabeça minha lista de coisas indispensáveis: meu trabalho. Sim, o que paga mal e que ocupa meu tempo disponível para colher flores no bosque pra você. Mas o mesmo que me dava poder no inicio do mês de torrar o meu dinheiro sem te dar satisfação. Meu bem, eu não tenho vocação pra cuidar da casa e usufruir do salário alheio. Até porque, você não entenderia, como nunca entendeu, a minha necessidade de gastar metade dele com ingressos de jogos de futebol e não com lençóis de fio egípcio pra nossa cama. E não aceitava tampouco que o estádio é a minha independência do mundo, e que, se você não estivesse na arquibancada do meu lado, não ia receber a atenção que esperava. Da mesma forma que cobrava mais que monossílabos quando eu estivesse lendo uma análise esquerdista das eleições ou de mais um projeto de lei absurdo prestes a ser votado no Congresso. Fato é que você nunca aceitou muito bem a ideia de que a hipótese da aprovação da redução da maioridade penal me deixava mais apreensiva do que a de você sair com seus amigos depois de brigar comigo por algum motivo idiota. Bem que eu poderia recusar o seu convite para passar férias em Miami, para ficar aqui, na rua, com bandeiras em punho sem hora pra voltar pra casa. Não tinha jeito de dar certo mesmo. E a minha responsabilidade nesse desfecho de insucesso não é o fato de eu saber que não era a princesa que você achava e não ter te contado. A minha culpa é por não ter reconhecido que eu que não queria um príncipe. Eu queria o cavaleiro sem sangue azul. Que chega sujo em casa depois de um dia de trabalho. Que entende o que eu quero dizer, sem censurar minhas palavras. Que acha minha pipoca de microondas a melhor de todos os tempos. Que não enxerga minhas estrias e é autossuficiente para não precisar dos meus serviços de casa. Que tem espírito de luta e segura minha mão na batalha contra o conformismo. E, especialmente, que não acredita em estereótipos e muito menos em contos de fadas.

Tetê Magnani

2 comentários:

  1. eu nunca serei a princesinha que ele quer ao lado dele ;

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  2. Engraçado, irônico, utópico em partes e, sincero. Bem, eu não sou escritor nem crítico, mas é um excelente texto acerca da mulher moderna. O texto quebra o paradigma da mulher frágil e delicada, traçando o perfil da mulher determinada e disposta a lutar pelos seus objetivos.

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